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Mais da metade da comunidade LGBTP no Brasil está envolvida com empreendedorismo

Pesquisa inédita no país, realizada pelo Sebrae, revela que ter o próprio negócio impulsiona a autonomia financeira de LGBTQIAP+
Por Cibele Maciel e Abgail Ramos
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Pesquisa inédita do Sebrae revela que cerca de 55% da comunidade LGBTP (composta por lésbicas, gays, bissexuais, pansexuais, transgêneros e/ou travestis) empreende ou tem um potencial empreendedor e vê na ideia de ter o próprio negócio não apenas um instrumento para a conquista da autonomia financeira, mas um caminho também de emancipação, autoafirmação e resistência.

São 3,7 milhões de pessoas LGBTP que já lideram o próprio negócio no país, aponta o estudo. Isso representa 24% dos 15 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais e que se identificam como integrantes desse público. Outros 11% estão envolvidos na criação de uma empresa e 20% têm intenção de abrir um negócio nos próximos três anos.

O levantamento destaca que cerca de quatro em cada dez pessoas LGBTP responderam que a identidade de gênero e a orientação sexual influenciaram na decisão de ter um negócio próprio. Quanto à motivação para empreender, a pesquisa indica que o grupo procura independência, controle sobre o ambiente de trabalho e melhores condições financeiras.

A maior parte dessas pessoas acredita que ter um negócio próprio pode ajudar a comunidade LGBTP, principalmente através da inspiração e fortalecimento pessoal. A diretora de Administração e Finanças do Sebrae Nacional, Margarete Coelho, explica que, na maioria das vezes, a decisão de iniciar um negócio próprio para esse grupo é impulsionada pela necessidade.

Principalmente devido aos preconceitos, mas com apoio e capacitação, essa jornada pode evoluir para a realização de um sonho que trará fortalecimento da identidade empreendedora, do próprio orgulho de se poder ser quem é atuando naquilo que gosta e sendo respeitado. Margarete Coelho, diretora de Administração e Finanças do Sebrae Nacional.

A pesquisa também colheu dados sobre a participação do empreendedorismo na vida das pessoas LGBTP, experiência em comandar um negócio e setores de atuação. Entre os 24% dos entrevistados que já empreendem, 19% têm no empreendedorismo a principal atividade. “Pessoas LGBTQIA+, especialmente aquelas que se declaram publicamente, encontram dificuldades significativas para serem inseridas no mercado de trabalho, tornando o empreendedorismo uma saída para alcançar autonomia financeira e crescimento pessoal”, analisa a diretora do Sebrae Nacional.

O estudo também identificou que 45% já tiveram outro negócio e que o setor de Entretenimento e Cultura atrai 14% dos empreendedores LGBTP, enquanto entre as pessoas não LGBT+ apenas 2% declararam atuar nesse segmento. Com base nesses dados inéditos, o Sebrae vai reforçar ações estratégicas para apoiar o desenvolvimento de pequenos negócios liderados por essa parcela da população.

“Temos investido em iniciativas que oferecem capacitação técnica, apoio psicológico, desenvolvimento de estratégias personalizadas para cada tipo de negócio e orientação para pessoas LGBTQIA+ que desejam empreender”, enumera a diretora. “Nosso papel é garantir que todos tenham acesso igualitário ao ecossistema empreendedor, com suporte, formação e oportunidades reais de crescimento”, frisa Margarete Coelho.

A luta da comunidade LGBTP (composta por lésbicas, gays, bissexuais, pansexuais, transgêneros e/ou travestis) em busca de igualdade e direitos mobiliza diferentes aspectos da sociedade. Nesse contexto, a defesa por condições dignas e autonomia no mundo do trabalho é parte crucial do debate.

Perfil dos empreendedores LGBTP

A pesquisa mostra que as pessoas LGBTP donas de negócios são jovens, com idade de 25 anos ou mais. Além disso, a maioria possui nível superior e maior renda mensal (pelo menos três salários-mínimos). Em relação à cor ou raça, a maioria se autodeclarou branca (30%), em comparação com 22% que se autodeclararam pardos ou pretos.

Barreiras na jornada empreendedora

A formalização do negócio próprio tende a ser maior entre as pessoas LGBTP em comparação às pessoas que não se identificam como LGBTP, aponta o estudo. Entre os principais obstáculos para essa formalização estão os custos financeiros e a burocracia.

A inclusão do nome social na abertura da empresa ainda não é uma realidade em todo o país. Isso prejudica muito quem quer formalizar o negócio e, consequentemente, ter acesso aos benefícios previdenciários, entre outros direitos assegurados aos empreendedores formais. Margarete Coelho, diretora de Administração e Finanças do Sebrae Nacional.

Ela acrescenta que esses fatores influenciam a percepção dos empreendedores LGBTP quanto ao rumo dos seus negócios. A pesquisa mostra que as pessoas que não fazem parte da comunidade LGBT+ tendem a ser mais otimistas em relação às chances de sucesso do empreendimento – enquanto 66% das pessoas não LGBT+ acreditam que seu negócio tem chances de sucesso, 57% das pessoas LGBT+ têm a mesma opinião.

Empreender é Resistir: histórias de coragem e representatividade em Roraima

No extremo Norte do Brasil, o empreendedorismo LGBTQIAP+ também tem rosto, voz e impacto. Em Boa Vista, iniciativas como a Squad Beer e o grupo GM Digital mostram que, além de gerar renda e oportunidades, os negócios liderados por pessoas LGBTQIAP+ também são espaços de segurança, visibilidade e transformação social.

Yule Brasil, sócio da Squad Beer, conta que a ideia de abrir o próprio negócio surgiu da ausência de espaços seguros para o público LGBT+ na cidade. “A gente frequentava lugares onde não se sentia acolhido, onde o assédio vinha até de profissionais do próprio bar, e não tínhamos a quem recorrer. Então decidimos criar o nosso espaço”, relata.

Inicialmente, o negócio começou como uma tabacaria com narguilé. Pouco tempo depois, os sócios tiveram a oportunidade de assumir o bar anexo ao espaço.

Segmentamos o atendimento para o público LGBT porque sabíamos o quanto fazia falta. A Squad não é só um bar, é um ponto de acolhimento onde as pessoas podem ser quem são, sem medo.

Yule afirma que empreender é também enfrentar obstáculos que vão além dos desafios de qualquer empresário. “Já recebemos denúncias e visitas da polícia que sabidamente estavam ali só porque somos um bar LGBT. A abordagem é agressiva, deslegitimam o nosso trabalho, e isso nos fere como empreendedores e como cidadãos.” Ainda assim, ele segue em frente, com propósito e convicção. “A gente não vende só cerveja gelada. A gente oferece liberdade, cuidado, espaço seguro. E isso tem valor. Somos resistência.”

Além disso, Yule vê seu negócio como uma ponte para o futuro de outras pessoas. “Empregamos pessoas que não conseguiam oportunidade em outros lugares. Nossas vagas são afirmativas. Queremos mostrar que é possível crescer sendo quem se é. Cada dia com as portas abertas já é uma vitória.”

Quem também aposta no poder do empreendedorismo como força transformadora é o empresário Gabriel Martins, fundador do grupo GM Digital, que engloba empresas nas áreas de audiovisual, branding, psicologia organizacional e capacitações empresariais.

O empreendedorismo nasceu da necessidade. Precisava de renda e queria me afastar de problemas familiares. No começo, ser gay influenciou nas relações com clientes, principalmente com os mais tradicionais. Já senti na pele o peso de ser recusado por causa da minha orientação. Mas fui em frente, relata Gabriel.

Hoje, ele se orgulha de liderar uma equipe em que 70% das pessoas são LGBTQIA+. “Isso faz diferença. A gente cria um ambiente onde se pode trabalhar e se expressar com liberdade. Construímos uma empresa que valoriza a diversidade — e mais do que isso, inspira. Já ouvi de pessoas que nosso exemplo deu coragem para elas começarem a empreender.”

Gabriel também reforça que estar à frente de um negócio sendo abertamente LGBT+ em um estado conservador como Roraima é uma forma de militância cotidiana. “Já conseguimos escolher nossos clientes. Isso é liberdade. Mas também é sobre abrir caminhos para os outros, mostrar que é possível liderar, crescer e ser respeitado. Ainda há preconceito, mas enfrentamos com estratégia, profissionalismo e muita garra.”

Essas histórias mostram como o empreendedorismo tem se consolidado como ferramenta de afirmação e dignidade para a comunidade LGBTQIAP+ em Roraima. Tanto Yule quanto Gabriel reforçam o que a pesquisa nacional do Sebrae também aponta: ter o próprio negócio é, para muitas pessoas, a forma mais direta de garantir autonomia financeira, representar quem são e transformar realidades.