
Em um dos momentos mais aguardados do Amazontech 2025, o cinema do CAF (Centro Amazônico de Fronteiras) se tornou uma ponte entre a academia canadense e a riqueza dos biomas amazônicos. Na tarde desta sexta-feira (6), a Trent University, uma das mais prestigiadas instituições de ensino e pesquisa do Canadá, apresentou a palestra “Amazônia e seus biomas: sustentabilidade e renda para comunidades indígenas”. Conduzida por uma equipe de doutorandos e pelo Dr. Suresh Narine, a apresentação revelou um panorama de oportunidades que pode transformar a relação do Brasil com sua biodiversidade, utilizando o vasto potencial das oleaginosas para criar um novo modelo de desenvolvimento.
A proposta central é a de que a ciência, unida aos saberes tradicionais e a parcerias estratégicas, pode não apenas gerar lucros, mas também financiar a conservação da floresta e garantir o protagonismo das comunidades indígenas na economia do século XXI.
Um tesouro subestimado
O fascínio pelas oleaginosas amazônicas começou com uma percepção pessoal, compartilhada pelo doutorando Navindra Soodoo, que cresceu na Guiana. Ele lembrou de uma época em que frutos como o tucumã, o buriti, o açaí e o saori caíam no chão e se perdiam.
“Quando eu era criança na Guiana, presenciei muitas frutas oleaginosas caírem no chão sem aproveitamento. Na época, não eram valorizadas. Com o tempo, ao me tornar cientista, compreendi os benefícios que essas frutas oferecem ao sistema imunológico e suas aplicações como superalimentos e em cosméticos. Percebi, então, que desperdiçamos produtos valiosos que poderiam ser transformados em alimentos funcionais e em outros produtos inovadores. Defendo que devemos explorar ao máximo o potencial dessas frutas, incorporando-as ao dia a dia em forma de medicamentos, terapêuticos ou cosméticos. Isso é muito mais proveitoso do que deixá-las se perderem sem uso.”
Essa mesma visão é compartilhada por Stacy James, também doutoranda na Trent University. Em sua primeira visita a Roraima, ela destacou a experiência positiva e o foco de sua pesquisa na andiroba, uma árvore comum na Amazônia, cujo conhecimento de uso remonta aos saberes ancestrais.
“É a minha primeira vez em Roraima e tem sido uma experiência muito positiva. As pessoas, a culinária e toda a vivência aqui foram incríveis. Em relação ao meu trabalho, pesquiso a andiroba, árvore comum na Amazônia. O conhecimento sobre seu uso tem origem nos saberes tradicionais indígenas, que são os verdadeiros detentores desse saber e responsáveis por transmiti-lo.”
A doutoranda ressaltou que a valorização das oleaginosas está alinhada às demandas de mercado por opções mais limpas e sustentáveis, uma tendência global na indústria farmacêutica e cosmética.
A matemática da sustentabilidade
O ponto central da palestra, apresentado pelo Dr. Suresh Narine, diretor do Canadian Bioprocessing Research Institute (CBRI) da Trent University, foi a viabilidade financeira da bioeconomia. Dr. Narine iniciou sua fala com uma perspectiva otimista sobre a região e o evento.
É uma satisfação estar aqui. Este evento é notável. A Amazônia é eterna, e o futuro de Roraima é agora. Está claro que o estado vive um momento de transformação, e é notável acompanhar o que acontece neste encontro.
Ele expôs um problema financeiro global que, de acordo com ele, pode ser resolvido com as soluções propostas. Um estudo da Conservation International estima que a Amazônia gere quase 1 trilhão de dólares por ano em serviços ecossistêmicos. No entanto, 86% desse valor — ligado a serviços como prevenção da erosão e produção de ar puro e água limpa — é de difícil mensuração, e os esforços internacionais de financiamento são insuficientes. O Acordo de Kunming-Montreal, que visa proteger 30% dos recursos naturais até 2030, enfrenta um déficit anual de 300 milhões de dólares.
Apesar de o Brasil cobrar compensações internacionais por esses serviços, o financiamento ainda é insuficiente. Existe um déficit anual de 300 milhões de dólares para viabilizar essa meta.
A palestra do Dr. Narine, no entanto, não ficou apenas no problema. Ele apresentou uma solução que pode transformar esse déficit em superávit.
“Ao mesmo tempo, há oportunidades. Se o Brasil conquistar 15% do mercado mundial de cosméticos, alimentos funcionais e nutracêuticos, a receita anual pode chegar a 225 milhões de dólares, valor capaz de suprir esse déficit. Esse resultado traria impactos diretos também para comunidades indígenas, que são as guardiãs da floresta e responsáveis por garantir água limpa, ar puro e floresta em pé. Minha palestra apresenta o problema, aponta soluções e demonstra por que essas metas são possíveis até 2030.”
A estratégia prática
Para que o potencial da bioeconomia amazônica se concretize, o Dr. Narine defendeu um plano de ação em duas frentes. A primeira, e mais importante, é o respeito às comunidades indígenas.
O primeiro passo é estabelecer parcerias e respeitar as comunidades indígenas, assegurando comércio justo e a propriedade intelectual de seus saberes.
A segunda frente é o investimento em ciência sólida. Ele argumentou que, embora frutos como andiroba, tucumã e buriti já sejam conhecidos, a valorização científica é essencial.
“A andiroba, por exemplo, já foi estudada amplamente, mas os resultados ainda divergem. Precisamos de pesquisas consistentes e ensaios clínicos que comprovem os benefícios de espécies como andiroba, tucumã e buriti. Nesse sentido, iniciamos parceria com a dermatologista Ana Paula Vitti, de Roraima, para a realização de ensaios clínicos com produtos amazônicos. Essa etapa permitirá valorizar cientificamente os resultados, ampliar a inserção no mercado internacional e consolidar a Amazônia como farmácia natural do mundo, de forma fundamentada e não apenas como discurso de marketing.”
A estratégia proposta pelo Dr. Narine envolve a criação de uma rede multidisciplinar, com metas claras e viáveis, que reúna comunidades indígenas, cientistas, profissionais de saúde, pequenas e médias empresas, o setor privado e o governo. Ele usou a Embrapa como exemplo de como a colaboração entre ciência, parcerias e políticas públicas pode gerar resultados extraordinários.
O Brasil já demonstrou sua capacidade de inovação em experiências como a da Embrapa. Quando ciência, parcerias e políticas públicas caminham juntas, os resultados são extraordinários. É esse tipo de esforço que precisamos repetir.
A palestra não foi apenas um momento de compartilhamento de conhecimento, mas um convite à ação. O acordo firmado entre a Trent University e o CBRI, com foco em bioeconomia e capacitação, é um primeiro passo para essa colaboração.
“O futuro de Roraima é agora. Canadá e Trent University estão prontos para caminhar ao lado do Brasil nesse processo. Nossos países compartilham características semelhantes — recursos naturais abundantes, florestas, água limpa — e ambos colocam as pessoas no centro do desenvolvimento.”
A mensagem final foi clara: a Amazônia não é apenas um bioma a ser protegido, mas um catalisador para o desenvolvimento global. O Amazontech, ao sediar uma palestra de tamanha relevância, reforça seu papel como um hub de ideias e um agente de transformação, conectando o conhecimento local com as oportunidades globais, com um olhar focado em um futuro próspero e sustentável para as comunidades da região.
